14 Nov
14Nov

A ideologia de género está em voga na opinião publicada. Consiste basicamente em duas ideias. Primeira: o género da pessoa não resulta do seu sexo (genética, biologia, anatomia) mas da opção pessoal e da influência social. Segunda: enquanto o sexo é binário (masculino-feminino), o género é mais diverso e mesmo "fluido". Trata-se de uma ideologia, que reivindica uma base científica que ainda está por estabelecer. Apesar disso, usa-se o disfarce da igualdade e do direito à diferença para começar a inculcá-la nas escolas, a partir da educação pré-escolar. Esta intrusão abusiva nas escolas é lesiva para as crianças e tem suscitado choque de posições radicais e intolerantes, de ambos os lados, quase sempre baseadas na ignorância e no medo.  

Distinções necessárias

A ideologia de género a que me refiro não se confunde com as ideias de tolerância e respeito pela orientação sexual das pessoas, nem com as regras éticas e jurídicas de igualdade de tratamento e não discriminação. A liberdade, o respeito e a discriminação são causas nobres que todos podem e devem abraçar. Considerar que só a ideologia de género abraça essas causas é um disparate e ou um tique de intolerância.O género não se confunde com a orientação sexual, nem com as preferências sexuais. A ideologia de género, com a sua rejeição do "pensamento binário" (masculino-feminino), não é necessária para reconhecer que a orientação e as preferências sexuais podem ser muito diversas. A ideologia de género também não é necessária para reconhecer que a orientação hetero não tem o exclusivo da "normalidade". De resto, só por simplismo se pode considerar que a diversidade de orientações e preferências implica a rejeição do binómio masculino-feminino, como se este não pudesse comportar a referida diversidade. A ideologia de género entende que o género e a sexualidade são independentes da genética, da biologia e da anatomia e que, por conseguinte, são um continuum, fluido e variável, em que as preferências evoluem e podem mudar a todo o tempo. Por vezes, os defensores da ideologia de género caem na sua própria armadilha ao considerar que a orientação hetero constante é anormal, enquanto a diversidade e variabilidade de todas as opções é que são normais. A intolerância e o medo da diferença existe em todos os lados. 

Exibicionismo versus privacidade

A sexualidade de uma pessoa, a sua orientação e as suas preferências, são um assunto privado. Discriminar, prejudicar ou ostracizar uma pessoa pelo facto de ter uma orientação sexual diferente é um sinal de atraso, de falta de respeito e de educação. Nestas matérias, ninguém tem o direito de impor o seu ponto de vista. A discriminação e o exibicionismo são as duas faces do mesmo problema da falta de respeito pelas pessoas. Os eventos e paradas gay em nada contribuíram para aumentar o respeito e o reconhecimento dos direitos fundamentais, quando muito terão servido para festejar a liberdade e esse reconhecimento. Este pode ser ainda insuficiente, mas o que falta não será obtido por via do exibição exuberante e provocatória do que deve ser privado. Para que a sociedade se liberte da discriminação, é necessário erradicar o cerco da vergonha, mas não é necessário substuí-la pelo "orgulho" festivo e exibicionista. Uma parada hetero seria inevitavelmente considerada homofóbica e provocatória. 

A intromissão abusiva nas escolas

Se o tema do respeito pela orientação sexual é delicado, essa delicadeza é ainda maior quando o tema é transportado para o domínio da Educação. A incursão da ideologia de género nas escolas é uma intrusão abusiva, desnecessária, antipedagógica e causadora de sofrimento. Por vezes, essa intrusão é suportada por apoios "académicos" que aderem facilmente a teorias simplistas que não passam de dogmas e que, apesar do silenciamento e difamação das opiniões divergentes, cairão no ridículo mais tarde ou mais cedo. Levada ao extremo - da coerência e do ridículo -, a ideologia de género pode levar à abolição dos códigos de vestuário ou penteado, das instalações sanitárias diferenciadas, ou da menção do género em formulários e documentos oficiais. Não falta quem "pense" que os pais devem evitar incutir na criança que ele é rapaz ou rapariga…Não falta quem "pense" que os educadores devem evitar o uso de adjetivos e pronomes que dependam ou indiquem género... Estamos perante um fundamentalismo sem relação alguma com a igualdade, o respeito, a realidade e a verdade.

Reações contraproducentes

As teses básicas da ideologia de género, tais como a irrelevância do sexo biológico/anatómico, a rejeição do binómio masculino-feminino, o continuum da sexualidade e até a inversão do preconceito da normalidade, estão na origem de reações que exageram nas suas opiniões e acabam por polarizar um conflito de intolerâncias. Entre as posições inadequadas estão as seguintes: a educação sexual é matéria reservada às famílias; a cidadania não deve ser ensinada ou, quando muito, não deve ser disciplina obrigatória; a ideologia de género é uma conspiração para reduzir a "masculinidade" (seja lá o que isso for...), para reduzir a população, etc.. 

Por mais intrusiva, abusiva e disparatada que seja a ideologia de género nas escolas e na sociedade, a resistência à intromissão deve fazer-se com outros argumentos. Não deve basear-se num recuo, mas no avanço do conhecimento. A ideologia de género é simplista, redutora e retrógrada. O papel da Educação não é inculcar uma ideologia em voga, mas também não pode consistir em tapar os olhos das crianças e jovens a tudo o que não corresponda à pseudo-normalidade convencional (de uma realidade que nunca existiu). É impossível que as crianças não se apercebam de que existem pessoas com orientações sexuais diferentes. O papel dos educadores é consiste em, pelo modo e no momento adequados, preparar crianças e jovens para pensar, para respeitar e para escolher. Excluir a educação sexual das escolas é regredir décadas. Mas abordar a sexualidade com a ideologia de género é como recuar outras tantas décadas e fazer tudo mal mas de um modo diferente.

Ensinar o quê e como

O respeito pelos outros faz parte da educação de cidadania. É preciso aprender a ser, pensar e agir como cidadão. Sem cidadania, toda a Educação é incompleta. O tema do respeito pelos outros e pelas diferenças é um tema de cidadania que não deve ser omitido. O problema não está na no tema, mas na forma como é ensinado.  A Educação é como a Justiça - para definir o que se ensina e como se ensina não basta ganhar as eleições, tal como a justiça não se faz com julgamentos populares. A legitimidade democrática só existe se tiver substância, não é uma soma de votos. A definição de currículos e pedagogias não se faz com votos nem com as modas, por muito "académicas" que pareçam. Faz-se com bases científicas ponderadas e consolidadas. É por isso que a ideologia de género deve ser rapidamente banida das escolas, porque é tão nefasta quanto a homofobia ou qualquer outra forma de discriminação. No seu lugar deve desenvolver-se a pedagogia da tolerância, do respeito e do conforto perante a diferença. Pedagogia é eliminar os estereótipos de género (carrinhos versus bonecas, azul versus rosa, futebol versus saltar à corda, engenharia versus costura, etc.). Levar as crianças a hesitar sobre serem meninos ou meninas, L, G, B ou explicar-lhes que, independentemente dos casos reais de disforia de género, podem ser T e aspirar a mudar de sexo, é agir a leste da educação, é uma forma de abuso sobre crianças. Ninguém tem o direito de fazer tal coisa. Nem mesmo os pais

Escola e família

A Cultura é livre por natureza. Toda a cultura imposta é falta de cultura. Enquanto a ideologia de género não for definitivamente banida das escolas, a atitude mais construtiva não é a de lutar pela exclusão da educação sexual e do ensino da cidadania. Nem uma nem outra são exclusivo da Escola, nem da Família. Escola e Família devem respeitar-se e completar-se, porque nem uma nem outra são donas das crianças e jovens. Os muros e fronteiras de arame farpado entre escolas e famílias nunca deram bom resultado. Ninguém tem o direito de esperar que a escola pública sirva para uma educação a la carte, em que os pais podem riscar as disciplinas que não lhes agradam. Mas nenhum governo pode ter a veleidade de tolerar ou contemporizar com a permeabilidade da escola pública a abusos como a ideologia de género.

Todos sabemos que a tolerância consiste em saber viver com a diferença, mesmo que assuma a forma de erro. É humano. E todos sabemos que até as ideologias mais disparatadas levam o seu seu tempo a serem reconhecidas como tal. Enquanto isso não acontece, nos laboratórios, nas academias e nos think tanks, podemos debater o que quisermos, e experimentar ideias e teorias. Mas não nas escolas. Com as crianças não.

Carlos Campos

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