A evolução mais recente do número de pessoas infetadas com COVID-19 veio arrefecer o sentimento de alívio. Enquanto os especialistas discutem se é uma segunda vaga ou o prolongamento da primeira, é hora de lançar os olhos para mais adiante e preparar decisões necessárias para o futuro.
Primeira questão. Como será possível, no futuro, enfrentar uma pandemia sem parar a economia? A resposta está no passado recente, sendo de observar o que é que parou e o que continuou a funcionar com segurança. Fecharam as creches, as escolas, a restauração, o pequeno comércio retalhista, os espectáculos, etc.. Mantiveram-se as indústrias alimentares e farmacêuticas, os serviços hospitalares, a chamada grande distribuição e a logística associada. Porquê? São atividades essenciais de "suporte de vida", o que justifica o não encerramento, mas a razão pela qual puderam continuar a operar sem colocar em risco a saúde pública é o facto de obedecerem, desde há décadas, a normas exigentes de higiene e segurança sanitária. Quem conhece o meio industrial alimentar e farmacêutico e o arsenal de normas e procedimentos que o caracteriza, sabe do que falo. A menos que haja erro grosseiro, é difícil a infeção nesses meios. Por isso, pudemos e podemos confiar nos produtos embalados que essas indústrias nos fornecem. Quando as escolas, os restaurantes, o retalho em geral, as salas de espectáculos e - já agora - os transportes públicos tiverem e cumprirem regras e procedimentos higiossanitários comparáveis aos das indústrias alimentares e farmacêuticas, é possível que se possa enfrentar uma pandemia sem parar a economia. As creches e escolas poderão ser abrigo seguro para crianças e jovens. Os pais não terão que ser dispensados do trabalho para ficar com eles em casa. O mesmo se pode dizer de muitos outros setores. As carruagens e os autocarros tiveram desinfeção durante os dias do confinamento. Porque razão não deverão ser desinfetados sempre, após cada viagem, mesmo depois da pandemia?
Segunda questão: o maldito plástico. Depois de anos a ouvir e ler toda a espécie de impropérios e acusações contra os plásticos, contra os descartáveis e contra as embalagens em geral, a pandemia veio mostrar - da maneira mais ruidosa e dolorosa - que sem eles não há higiene, nem serviços de saúde, nem segurança alimentar. Um hospital sem plásticos transforma-se numa morgue gigantesca em poucos dias. Há apenas alguns anos, o voluntarismo apressado e inconsciente de alguns políticos pôs fim ao saco de plástico leve, apesar de toda a gente saber que esse saco era reutilizado pelo menos uma vez (para acondicionar o lixo doméstico) e apesar de haver evidência de que cerca de metade desses sacos já era reciclada em Portugal. A quantidade de resíduos plásticos não desceu, a poluição dos oceanos também não. O único efeito dessa política foi a pancada brutal, desnecessária e irresponsável que se deu na indústria dos sacos. Os sacos leves foram então substituídos por sacos reutilizáveis, mais caros para o consumidor, importados da China, e de reciclabilidade duvidosa devido à sua composição e carga de tinta. A indústria portuguesa tinha outras soluções, mas ninguém a quis ouvir. Felizmente, essa indústria não perdeu tempo a lamentar-se fez-se à sua vida, procurando alternativas. Labor omnia vincit: em plena pandemia, quando os hospitais e IPSS lutavam com a falta e a carestia de vestuário de proteção, alguns fabricantes de filmes e sacos apresentaram soluções eficazes, rápidas e a custo incomparavelmente mais baixo! Estamos a falar de descartáveis em último grau: uma bata de proteção integral tem de ser descartada logo à saída de uma sala de pessoas infetadas. A propósito de descartáveis: como teria sido possível o catering alimentar de profissionais de saúde ou de segurança, de idosos sob assistência domiciliária ou de quaisquer outras pessoas em confinamento residencial sem as embalagens descartáveis disponibilizadas pelas indústrias de plásticos? É bom que os cidadãos que votam e os políticos que legislam ponham os olhos nesta experiência antes de pensar em fazer a vida negra às indústrias de embalagens descartáveis. A menos que queiram que o país fique, em matéria de embalagem alimentar, tão escandalosamente dependente da China como aconteceu com as máscaras cirúrgicas. Os estudos laboratoriais indicam que o vírus persiste nas cerâmicas e vidros, nos plásticos, metais, papéis e madeiras. Pode persistir vários dias, até que uma mão o transporte para um rosto e daí para as vias respiratórias. Na próxima vez que entrar num restaurante, não se contente em verificar se há espaçamento, se há desinfeção das mesas, se se usam máscaras. Repare de onde saem os pratos e talheres. Há cantinas em que, desde há muito tempo, os talheres são embalados em pequenos envelopes de papel, logo após a lavagem. Não faltou quem criticasse esse procedimento, por envolver descartáveis e poluição. Pense outra vez, quando entrar num café ou restaurante e vir talheres "ao vivo" numa gaveta semi-aberta… À força de queremos acabar com os descartáveis, corremos o risco de acabar com os que são mesmo necessários. Há que distinguir, de forma responsável e sustentável, entre os exageros da sociedade do chiclete e as necessidades de higiene e saúde pública.
Terceira questão: a paragem de boa parte da atividade económica diminuiu as emissões de CO2. Logo vieram, e continuam a vir, os artigos apressados a dizer que a pandemia fez bem ao ambiente. Será mesmo verdade? Há alguns anos, os apóstolos da deep ecology chegaram a defender o primado do ambiente sobre a humanidade. Cairemos agora, ingénua ou conscientemente, num pensamento similar? Posso congratular-me com o suposto ganho ambiental (ainda por confirmar) quando as estatísticas da mortalidade COVID-19 ainda são notícia? Que ambiente queremos? O da paz dos cemitérios? De que vale um ambiente (supostamente) melhor se a economia está parada e milhões de pessoas estão a passar dificuldades adicionais por causa disso? A quem interessa continuar a contrapor economia e ambiente? Há que manter a serenidade e não tirar conclusões precipitadas. A pandemia obrigou-nos a usar mais descartáveis do que seria necessário. A pandemia colocou milhões de pessoas em casa e aumentou a quantidade de resíduos domésticos que têm uma gestão mais complexa e cara. A pandemia obrigou a suspender a recolha seletiva de resíduos e a misturar tudo outra vez. A pandemia fez ressurgir o egoísmo e a irresponsabilidade cívica das pessoas que deitam máscaras e luvas para o chão. Tudo isto é péssimo para o ambiente. Porque as pandemias são, por definição, péssimas para o ambiente. O ambiente só interessa na perspetiva da solidariedade intergeracional. Se a pandemia não for derrotada, de que nos servirá o ambiente?
Quarta questão: todos desejamos regressar à normalidade. Mas é bom começar a pensar se o que queremos é mesmo um regresso. Se pensarmos nas pessoas que estimamos e amamos, sim, queremos regressar: ao toque humano, aos cumprimentos calorosos, aos abraços, aos beijos. Mas para outras coisas menos importantes, a normalidade precisa de inovação e não de regresso. Já demos vários exemplos do que pode e deve ser a "nova normalidade", em matéria de regras e procedimentos higiossanitários. Fica também o desafio a pensar em aspetos como reservas estratégicas de materiais de proteção, de capacidade para os fabricar, etc. Está por escrever e divulgar a história da máscara cirúrgica. Não é admissível que um objeto tão indispensável e de uso corrente nos hospitais, tenha um aprovisionamento dependente da China e tão propenso a especulações de preço que fazem o liberal mais empedernido corar de vergonha. Não é aceitável que tenha normas tão vagas e um sistema de certificação tão frágil. Não é aceitável que se saiba tão pouco sobre a sua eficácia filtrante nos vários contextos em que é usada. E ainda estão por descobrir soluções com descarte mais seguro ou mesmo com reciclagem ou reutilização. O que se diz das máscaras, também se aplica aos ventiladores. Em estado de aflição, o ocidente multiplicou as encomendas à China (neste pormenor, o comportamento de alguns estados não diferiu muito da multidão de subalimentados que corre para o camião da ajuda alimentar de emergência). Descobriu-se que eram fáceis de fabricar e que até se podia inovar. E quando a pandemia for dominada? Regressaremos à normalidade do made in China? Se quisermos simplesmente regressar à normalidade do passado, basta esperar pela vacina e rezar para que não venha outra pandemia. Mas a nova normalidade - seja lá o que isso for - deve ser mais resistente às pandemias sem vacina. Se não tivermos aprendido a lição, outras pandemias virão para ensinar os que sobreviverem. Há que aprender já e não esperar por tal professor.